Envelhecimento pode ser oportunidade

Parece uma ida às urnas desordenada. Numa sala em Alcântara, no espaço de cowork Village Underground Lisboa, dezenas de pessoas estavam lá para votar. Cinco candidatos, cinco programas diferentes, uma meta comum: estimular o envelhecimento ativo. As estratégias para o alcançar é que são distintas. Umas passam por misturar gerações, outras querem aproveitar a capacidade e o conhecimento dos idosos em prol da sociedade. Há ainda projetos que estimulam o emprego sênior e aqueles que não discriminam gerações, oferecendo respostas a necessidades transversais à sociedade — e não apenas a determinadas faixas etárias. Mas todos têm por base a mesma premissa: o envelhecimento nos países mais desenvolvidos é inevitável, mas pode ser igualmente uma oportunidade econômica e social.

Portugal é o quarto país mais envelhecido da União Europeia (UE). Segundo dados da Pordata, 20% da população portuguesa tinham mais de 65 anos em 2014, com o número de idosos a aumentar de 700 mil nos anos 60 para mais de dois milhões há três anos, enquanto os nascimentos diminuíram. Embora os portugueses vivam cada vez mais tempo, apenas metade dos que têm entre 55 e 64 anos estão empregados.

Os números — apresentados na sessão de design thinking promovida pela Bayer Portugal e pelo Institute for Tomorrow, em parceria com o Expresso — põem em pauta a inevitabilidade do envelhecimento nos países desenvolvidos. E sublinham a necessidade de criar oportunidades para delinear uma estratégia global para um envelhecimento ativo e saudável (que elimine os incentivos à reforma antecipada, garanta condições de trabalho adequadas e estimule o acesso à formação), com benefícios para a qualidade de vida dos idosos e para os sistemas de Saúde e Segurança Social, ao evitar a sua sobrecarga.

"Esta não é apenas uma questão social, tem também impacto econômico", reforça Guilherme Victorino, cofundador do Institute for Tomorrow, organização portuguesa criada este ano para ajudar empresas a desenvolver processos de inovação através de metodologias colaborativas. Foi o que fizeram na quarta-feira, quando juntaram cerca de 30 representantes de empresas, organizações e até do Governo para, através da metodologia design thinking e co-society (colaborativa), procurarem soluções positivas para o envelhecimento.

ENVELHECER? É MAIS REJUVENESCER
O dia começou com as conclusões de um grupo de peritos em várias áreas e com 50 exemplos de boas práticas internacionais de envelhecimento ativo. Entre eles, estão projetos que ajudam a envelhecer e a morrer bem, como o "Hospitable Hospice handbook" (Manual sobre Unidades de Cuidados Paliativos Acolhedoras), que elenca sete conceitos universais e 24 princípios de design para melhorar os cuidados paliativos em Singapura: a criação de unidades abertas ao público (que partilham instalações com creches, spas e cinemas), a oferta de diferentes atividades aos doentes, como voluntariado e culinária, entre outras.

A consciência do isolamento da população idosa (e do desaproveitamento do seu conhecimento) leva à criação de soluções que apostam na partilha de experiências entre diferentes gerações, como as casas ou comunidades intergeracionais, ou centradas na área do emprego e empreendedorismo. "No futuro vamos passar quase tanto tempo sem trabalhar como a trabalhar. Como aproveitar o conhecimento dos mais velhos e juntar o talento de jovens e idosos?", questionava no final do evento o participante Miguel Paixão, sócio da Business Setting. A resposta já tinha sido dada, horas antes, com o exemplo do Repair Café (espaços de encontro onde existem voluntários, materiais e ferramentas para reparar bicicletas, brinquedos, roupas, mobiliário e outros objetos) e a fábrica Vita Needle, nos Estados Unidos, em que a média de idade dos trabalhadores é de 74 anos. Os projetos portugueses Lata 65, que ensina a arte do graffiti a idosos, e A Avó Veio Trabalhar foram ainda apresentados no evento pela voz dos fundadores.

 

Recorrendo as atividades tradicionais (tricô, crochê, bordados, etc.) e ao design para criar um modelo de negócio social, A Avó Veio Trabalhar tem atualmente três espaços de cowork e um gabinete criativo e conta com 70 avós que criam peças para lojas de design, hotéis, entre outros espaços, e ensinam jovens que querem aprender estes lavores. "Mais do que trabalhar o envelhecimento ativo, esta é uma questão de rejuvenescimento", sublinha Joana, que participa no projeto.

Foi com estes exemplos como plano de fundo que os participantes se juntaram em grupos de trabalho para elaborar cinco propostas para Portugal, que serão avaliadas e operacionalizadas em janeiro, durante um hackathon em Braga. O debate e discussão de ideias foram supervisionados por Alfons Cornella, fundador e presidente da Infonomia / Co-Society, a maior rede de inovação da Espanha. Durante todo o dia, Cornella explicou conceitos, lançou questões e orientou na procura de respostas inovadoras para o problema. "Pôr as empresas a colaborar é difícil, porque aquilo que normalmente aprendem é a competir", diz à margem da conferência. Como fazer isso? Lançando um tema interessante, disponibilizando exemplos do mundo inteiro e criando encontros entre pessoas. "Veja: duas pessoas encontram-se de forma acidental, começam a conversar e, a dada altura, uma delas pergunta: ‘porque não fazemos algo juntos?’" São estes acasos que geram colaboração e inovação, explica. "E nós criamos acasos."

 

Fonte: Cuidar Idoso